Em sua tradução moderna, a palavra grega sôma significa “corpo”. No entanto, se nos aprofundarmos pela tradição clássica, veremos que a palavra sôma se insere em distintas tentativas de nominar e dar sentido ao corpo. Em Homero, por exemplo, sôma diz respeito ao cadáver, corpo sem vida. Já para Platão, o corpo era uma tumba que aprisionava a alma (psyché), um empecilho a ser superado para que se alcançasse a verdade universal. Os diferentes sentidos atribuídos à palavra grega sôma nos provocam a buscar a compreensão do corpo não como um objeto em si, mas sim como uma noção que é construída e reconstruída em diferentes contextos culturais e históricos. Afinal, transitando por esses diferentes contextos, o corpo se torna organismo a ser curado, força de trabalho a ser explorada, carne a ser redimida de seus pecados, inconsciente a ser libertado, máquina a ser aperfeiçoada em busca de recordes, corpo-sujeito em diálogo com o mundo[1].

A proposição de um núcleo vinculado ao Centro de Desportos da Universidade Federal de Santa Catarina denominado Sôma – Núcleo de Estudos em Cultura, Corpo e Movimento toma como objeto de estudo e intervenção este corpo polissêmico que sempre se apresenta como um desconhecido a ser desvelado. As diferentes matrizes epistemológicas que compõem a Educação Física permitem distintos olhares para este campo científico, dentre estes estão os que se utilizam das lentes interpretativas das Ciências Humanas. Tais referenciais permitem refletir a Educação Física a partir das inter-relações da cultura com o corpo e o movimento. Pensar a Educação Física e seus elementos como fenômenos históricos, geográficos, filosóficos, sociais, culturais e políticos contribui para complementar o conhecimento científico do campo, bem como apoiar a fundamentação das formações profissionais em diferentes níveis. Acredita-se que tais estudos podem promover o desenvolvimento crítico sobre a área, assim como novas perspectivas interpretativas e de intervenção no âmbito das práticas corporais e esportivas.

O Núcleo Sôma ancora-se no pressuposto de que a Educação Física é um campo de conhecimento em que temáticas relacionadas a gênero, classe, etnia, lazer, linguagem, mídia, entre tantas outras, articulam-se com problematizações sobre o corpo e as práticas corporais e esportivas. Assim, temos por objetivo construir ações interdisciplinares de ensino, pesquisa e extensão no Centro de Desportos a partir destes olhares interdisciplinares inspirados pelas Ciências Humanas.

Para a constituição inicial do núcleo ora proposto, serão agregados docentes, alunos de pós-graduação e alunos de graduação que já desenvolvem pesquisas e ações de ensino e extensão em diferentes áreas de atuação como: linguagem, formação profissional e de professores, Educação Física escolar e não escolar, produção do conhecimento, intervenção, filosofia, aspectos metodológicos, didáticos e pedagógicos, e fenômenos históricos, sociais e culturais.

[1] Esta reflexão é inspirada na obra “Il Corpo”, do filósofo italiano Umberto Galimberti (GALIMBERTI, Umberto. Il corpo. Milano: Feltrineli, 2002).